Medicina Baseada em Evidências – MBE

O que é Medicina Baseada em Evidências e como saber se uma evidência é boa ou ruim?

A decisão sobre usar ou não uma medicação para tratar um paciente não pode partir apenas da opinião do médico sobre o funcionamento do remédio.

É extremamente importante que um profissional que cuida de pessoas entenda, pelo menos um pouco, de evidências científicas – bioestatística, epidemiologia, metodologia da pesquisa…

Mas, infelizmente, não é isso que acontece na prática.

Pois bem, qualquer pessoa pode dizer algo com convicção, mesmo que isso não seja algo comprovado, e quando isso envolve o cuidado com a saúde e a vida de outra pessoa, isso pode trazer danos incalculáveis.

E surgiu então a Medicina Baseada em Evidências (MBE), com o objetivo de tornar a prática médica o mais científica possível. 

O que é importante saber, já de antemão: existe uma hierarquia das evidências, desde as mais modestas e menos confiáveis – como um relato de caso – até as mais sólidas e confiáveis.

Estudos de associação e correlação são importantes para levantar hipóteses, mas eles não comprovam causa e efeito, eles não tem capacidade – que chamamos em metodologia científica de poder – para isso. Qualquer pessoa que saiba o MÍNIMO de metodologia sabe disso, trata-se do básico.

Mas, por ser um erro comum e por saber que os cursos de graduação são extremamente falhos em ensinar isto, sinto que é importante esclarecer os diferentes tipos de estudo para o público leigo. 

E ainda, vale lembrar que cometer um erro de metodologia ou interpretação de texto não significa que o profissional é ruim ou incompetente. Significa apenas que ele não domina aquela área, que não está apto para opinar a respeito daquele assunto – mas não desqualifica seu trabalho diário. 

Agora vamos entender a hierarquia das evidências.

As evidências de menor peso científico são as chamadas opinião pessoal ou de especialista, que é quando um profissional diz o que ele(a) pensa sobre um determinado assunto, com base em sua experiência própria – sem necessariamente se embasar em artigos científicos. 

É por isso que você ouve coisas do tipo “mas o Dr. tal disse…” e ainda “mas ele é mestre em tal coisa” ou “fez doutorado em tal lugar”. Independente do currículo desta pessoa, a sua opinião tem o menor valor dentro da hierarquia das evidências científicas. 

Por que esse é o nível mais baixo de evidência? Porque opinião todo mundo tem e o papel aceita qualquer coisa. Entretanto, se não há na literatura médica outros dados científicos sobre determinado assunto, aceita-se a opinião de um especialista na área como uma evidência provisória. 

Em segundo lugar, temos os relatos de caso, que são basicamente a história de um ou mais pacientes que apresentaram a mesma condição. 

Quando você relata um caso, os outros profissionais podem ler aquele artigo, identificar que um caso semelhante já aconteceu com alguém e compreender um pouco mais sobre o assunto – mas isso ainda não comprova causa e efeito.

Por exemplo: “Paciente masculino de 72 anos foi atendido na emergência por dor torácica e apresentou um infarto, ele jogava futebol 3x por semana há 30 anos”. Neste relato não se prova que o infarto teve relação com ele jogar futebol, não há um controle de variáveis e do que chamamos de viés. O relato de caso se restringe à ele mesmo e não pode ser extrapolado para uma população.

Temos ainda os experimentos em modelos animais, geralmente feitos para avaliar mecanismos fisiológicos e o efeito de medicações ou substâncias em animais antes de serem testados em seres humanos. Mas veja, não é porque funciona em animal que vai funcionar em um ser humano!

Depois destes, temos os Estudos de Caso-Controle. Estes são estudos observacionais epidemiológicos em que o pesquisador seleciona pessoas com determinada doença e às compara com indivíduos sem aquela doença. Este modelo de estudo busca LEVANTAR A HIPÓTESE DA CAUSA, para que esta possa ser avaliada posteriormente em um EXPERIMENTO.

Um bom exemplo disso é aquele citado pelo Dr. Souto, em que foi demonstrada CORRELAÇÃO entre o consumo de sorvetes e o ataques de tubarão, na Austrália: quanto maior o consumo de sorvetes, maior o número de ataques. 

Você acredita que consumir mais sorvete CAUSA mais ataques? Não né. 

Significa que o estudo está errado? Também não.

O problema aqui é que estudos epidemiológicos podem ignorar as chamadas variáveis de confusão – neste caso, seria o calor. Quanto mais calor, mais as pessoas vão para as praia/mar e mais sorvetes são consumidos, coincidindo com o aumento do número de ataques. 

Aqui podemos citar também a associação ainda comum de comer mais gordura e ter mais infartos. Um estudo observacional que afirma isso, não COMPROVA CAUSA E EFEITO, ou seja, não confirma que a GORDURA é quem CAUSA o infarto. O que ele mostra é que provavelmente pessoas que ingerem mais gorduras (e talvez também mais carboidratos, não fazem atividades físicas e fumam) tem mais infartos – mas não foram analisados os diferentes fatores de risco aqui.

Tá, até aqui tudo bem. Mas e como então conseguimos comprovar que uma coisa causa outra?

Vamos agora para os níveis mais altos e confiáveis das evidências científicas.

Vamos falar aqui de três tipos:

Os estudos de coorte são modelos em que indivíduos são acompanhados ao longo de anos (tanto de forma prospectiva quanto retrospectiva) com o objetivo de identificar os diferentes fatores que aumentam a chance de algo acontecer, de uma doença aparecer. 

Aqui já é possível calcular o risco relativo e o risco absoluto daquele evento estudado acontecer e analisar se determinado comportamento influencia nisso.

O que é importante entender aqui é que RISCO RELATIVO e RISCO ABSOLUTO são completamente diferentes.

Quando eu digo que se você sair para caminhar em um dia muito frio, há UMA chance de ter hipotermia, se você sair duas vezes, você tem O DOBRO de chances disso acontecer – esse é o risco relativo.

Agora, se pensarmos em quantas pessoas saem às ruas em dias muito frios e quantas vezes elas saem, comparado a quantas pessoas apresentam hipotermia, podemos notar que o risco (ABSOLUTO) disso acontecer é, na verdade, baixo. 

Então, mesmo que algo dobre ou triplique a chance de um evento acontecer (risco relativo), não necessariamente significa que o RISCO ABSOLUTO daquilo é alto.

Chegando agora no mais alto nível de evidência científica, temos os ensaios clínicos randomizamos (ECR) – o padrão-ouro da evidência científica.

Nesses estudos, um grande número de pessoas é selecionada e randomizada (sorteada) para dois ou mais grupos – esse sorteio garante que os diferentes grupos sejam semelhantes entre si em relação aos fatores de risco ou outros fatores que possam confundir os resultados, sendo diferentes apenas na variável que está sendo testada (seja uma medicação, uma dieta ou outra variável).

Este é o ÚNICO tipo de estudo capaz de sugerir fortemente RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO.

E, por fim, no TOPO DA HIERARQUIA das evidências, vem as revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizamos e meta-análises!

Aqui são reunidos 10, 20, 30 ensaios clínicos randomizamos que tratam sobre um mesmo tema e, através de análises estatísticas, chega-se à uma conclusão mais robusta.

E por que precisamos disso se os ECR já são excelentes níveis de evidência? Porque se por puro acaso um ECR encontrar uma resultado que não seja real ou que seja real apenas para a população estudada, ao compilar um conjunto deles teremos ainda mais robustez no resultado final. 

E para exemplificar, são estudos assim que mostram que a alimentação Low Carb reduz o risco cardiovascular – e é melhor do que dietas em que se come mais carboidrato e se restringe a gordura natural dos alimentos. 

No blog do Dr. Souto você pode encontrar isso tudo com ainda mais exemplos para te ajudar a compreender esse assunto – para acessar é só clicar nesse link.

E para concluir, DE AGORA EM DIANTE sempre que você encontrar um texto ou um profissional falando que isso causa aquilo, mesmo que citando referências científicas aleatórias, tenha em mente que isso pode NÃO TER TANTO VALOR ASSIM!

Mais importante do que citar inúmeras referências científicas, é o TIPO do estudo citado – e ainda assim, nem sempre tudo são flores – mas isso deixamos para uma outra conversa!